Para
entendermos o assunto desse texto é necessário nos locomover no tempo e nos
transportarmos para o passado, para a época das vacas magras, quando o Kinder Ovo custava 1 real, restart era termo de videogame, o mundo
acabaria em 2000 e hashtag ainda era
conhecido como "jogo da velha". Era um contexto diferente, de um
mundo no inicio da globalização, período de recessão econômica e pós guerra
fria, mas também um período de grandes avanços na área da informática e na
comunicação. Como ilustração, criemos o exemplo
de um garoto imaginário (que, por pura aleatoriedade, chamarei de Conrado)
nesse contexto descrito e imaginemos uma passagem na vida desse garoto.
Conrado
acorda na manhã de um Sábado e assiste desenhos no SBT até aproximadamente o horário do almoço quando inicia uma
programação menos infantil. Após comer, pede para sua mãe ir com ele até a
locadora com o intuito de alugar pela 9ª vez o filme Snoopy volte para casa.
No caminho até a locadora sua mãe coloca o CD dos Backstreet Boys no carro e ao estacionar percebe ter chegado uma
mensagem do marido em seu pager. Conrado aluga mais dois VHS além de Snoopy volte para casa e passa a tarde
vendo os filmes que deveriam ser devolvidos na segunda-feira.
Essa
pequena passagem parece ser, á primeira vista, banal, mas se analisada é um
exemplo importantíssimo para o mundo da comunicação, pois a partir desse
exemplo podemos definir o conceito de cultura de mídias. Esse termo foi cunhado
pela teórica da comunicação Lúcia Santaella em seu livro Cultura e Artes do Pós-Humano - Da cultura das mídias á cibercultura
(2003) e se trata de um período de transição entre a cultura de massa e a
cultura digital.
Lucia
Santaella separa a formação cultural ocidental em seis diferentes eras: Cultura
oral, cultura escrita, cultura impressa, cultura de massas, cultura de mídias e
cultura digital, dividindo-as segundo os meios de comunicação predominantes na
época. Contudo, diferente de muitos autores, Santaella nos mostra que as
transformações culturais de cada uma das respectivas eras não ocorrem
simplesmente pela adoção de novas tecnologias e novos meios, mas que esses
meios são apenas instrumentos ou suportes materiais substituíveis, e que as
verdadeiras interferências das mudanças da comunicação nas relações humanas se
deve pelo formato da linguagem criada por esses canais físicos.
Apropriando-se
de um conceito mcluhaniano com devidas liberdades poéticas, as linguagens de
uma cultura anterior não são desapropriadas e renegadas pelos meios posteriores
a ela, e muito menos essa cultura morre, ao invés disso, a nova lógica
comunicacional incorpora as linguagens anteriores, cria uma linguagem própria
e, chegado sua hora de se tornar obsoleta, incorpora linguagens posteriores.
Voltemos
ao mundo do pequeno e pacato Conrado, o mundo da cultura de mídia tem uma
lógica completamente diferente do que era o mundo massificado. No mundo de
Conrado ele tem a opção de ir até a locadora e alugar Snoopy volte para casa para ver pois não a nada que o interessa na
grade de programação da TV, assim como a mãe dele tem a opção de ouvir Show me the Meaning of Being Lonely dos Backstreet Boys sem ter que esperar a
boa vontade da rádio e ainda se comunicar a distancia com marido sem ter que
utilizar um aparelho fixo. O mundo de Conrado é menos de massa e mais
individualista, o habitante desse mundo tem a opção de escolher o que vai ver e
quando vai ver (mesmo que de maneira limitada se comparado à hoje em dia).
Essa
maior liberdade de escolha quebrou a passividade absoluta do receptor, tornando
o ativo. A cultura de mídias serviu como uma transição entre a total
passividade das massas e a completa interatividade do digital, servindo como
ponte entre os dois mundos, introduzindo aparelhos e mídias que no contexto da
cibercultura vem se concentrando cada vez mais em um só aparelho.
Então
nosso pequeno Conrado se encontra em um contexto de introdução de novas
tecnologias que quebravam o padrão da cultura massificada e de conteúdo
programático para introduzir um mundo de conteúdo interativo, individualizado.
Esse
novo mundo que nosso protagonista está inserido, possui um aspecto meio
utópico, porém, aquela sensação de que temos o poder da escolha em nossas mãos e,
que ninguém nos conduzirá, soa um pouco inexato. Isto porque há muito conteúdo
patrocinado, ou seja, a empresa paga para que o conteúdo dela apareça primeiro.
Isto ocorre também com a utilização de product
placement, na qual as empresas inserem sua marca e/ou seus produtos dentro
de um conteúdo, de forma que não interfira nele, mas que fique perceptível.
Concluindo, toda essa sensação de
termos as rédeas em nossas mãos, a liberdade de escolha, de traçar nosso
próprio caminho, pode ser que esteja nos conduzindo há uma nova forma de
passividade e, quando estivermos atascados, uma nova forma de comunicação pode
nos salvar e este ciclo intérmino continuar.
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